A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) protocolou, no Supremo Tribunal Federal, uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153) na qual questiona a anistia aos representantes do Estado (policiais e militares) que, durante o regime militar, praticaram atos de tortura.

A ADPF contesta a validade do primeiro artigo da Lei da Anistia (6.683/79), que considera como conexos e igualmente perdoados os crimes “de qualquer natureza” relacionados aos crimes políticos ou praticados por motivação política no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979.

A OAB pede ao Supremo uma interpretação mais clara desse trecho da lei de forma que a anistia concedida aos autores de crimes políticos e seus conexos (de qualquer natureza) não se estenda aos crimes comuns praticados por agentes públicos acusados de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores.

Para a Ordem, seria irregular estender a anistia de natureza política aos agentes do Estado pois, conforme a entidade, os agentes policiais e militares da repressão política não teriam cometido crimes políticos, mas comuns. Isso porque os crimes políticos seriam apenas aqueles contrários à segurança nacional e à ordem política e social (cometidos apenas pelos opositores ao regime).

Atos de repressão aos criminosos políticos, portanto, deveriam ser, pelo entender da OAB, julgados como crimes comuns sem qualquer relação com crimes políticos e, portanto, com a Lei de Anistia: “Não houve comunhão de propósitos e objetivos entre os agentes criminosos, de um lado e de outro”, sustenta a ADPF.

A distinção entre os dois lados do conflito fica clara em trechos do texto: “Os acusados de crimes políticos não agiram contra os que os torturaram e mataram, dentro e fora das prisões do regime militar, mas contra a ordem política vigente no País naquele período”, diz o documento. Por outro lado, a ADPF diz: “Os agentes públicos que mataram, torturaram e violentaram sexualmente opositores políticos não praticaram nenhum dos crimes (políticos) previstos nos diplomas legais (decretos-lei 314 e 898 e lei 6.620/78), pela boa razão de que não atentaram contra a ordem política e a segurança nacional”.

O documento da OAB diz que é “irrefutável que não podia haver e não houve conexão entre os crimes políticos, cometidos pelos opositores do regime militar, e os crimes comuns contra eles praticados pelos agentes da repressão e seus mandantes no governo”. A entidade chama de “aberrante desigualdade” o fato de a anistia servir tanto para delitos de opinião (cometidos por pessoas contrárias ao regime) e os crimes violentos contra a vida, a liberdade e a integridade pessoal cometidos contra esses opositores, no que a OAB supõe ser “terrorismo do Estado”.

Identidades secretas

Na ação, a OAB reforçou o pedido – já feito em outras ações – para que sejam revelados os militares e policiais responsáveis por crimes em nome do Estado contra os governados dizendo ser “escárnio” acobertar a identidade dessas pessoas em nome da segurança da sociedade e do Estado.

O fato de os militares e policiais que torturaram receberem remuneração vinda dos cofres públicos e serem anistiados pelo próprio governo seria uma ilegalidade, segundo a OAB.

Extradições

O Presidente nacional da OAB, Cezar Britto, reconheceu que, se revista a Lei da Anistia e reabertos os casos de tortura, haverá um precedente para pedidos de extradição de supostos torturadores para outros países, por crimes contra a humanidade. “Os torturadores estão sendo julgados no mundo inteiro. Todos os países democráticos estão dando essa lição de repulsa do terrorismo do Estado, que é inaceitável e deve ser punido severamente”, comentou, após protocolar a ADPF no Supremo, na tarde desta terça-feira (21).

De acordo com ele, a lei já cumpriu o seu papel, mas ainda cabe ao Brasil punir quem torturou. “Aqueles que torturaram em nome do Estado, que deveriam ter guardado as pessoas e em vez disso as torturaram, não foram beneficiados pela Lei da Anistia”, disse.

Ele lamentou que as vítimas sobreviventes e familiares dos mortos “não tenham participado diretamente do acordo (que levou à anistia) e até hoje a corporação militar não o confirma pelo fato de nunca ter admitido os crimes cometidos pelos agentes da repressão”.

“A Lei da Anistia diz especificamente que os crimes políticos e conexos estavam anistiados. Não a tortura. Tortura é crime de lesa-humanidade. Em sendo assim, ele é imprescritível e não se confunde com crime político”, afirmou.

Na ação, a OAB já refuta o argumento de que, por não ser tipificada como crime durante o regime militar, a tortura poderia ser praticada. “Há incompatibilidade radical da tortura com o princípio supremo do respeito à dignidade humana, que não pode ser negociado”. Processo: (ADPF) 153

Fonte: Supremo Tribunal Federal
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