RELATOR: MIN. EROS GRAU

V O T O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Trata-se de extradição supletiva promovida pelo Governo do Reino dos Países Baixos, que pretende obter, do Governo brasileiro, consentimento para instaurar nova persecução penal contra o súdito estrangeiro em questão, com fundamento em outros fatos delituosos, que, embora anteriores ao pedido original de extradição, neste deixaram de ser incluídos pelo Estado requerente.

O Estatuto do Estrangeiro, ao consagrar o princípio da especialidade (art. 91, I) - que constitui postulado fundamental na regência do instituto da extradição - permite que a pessoa já extraditada venha a sofrer persecução estatal ou punição penal por qualquer delito praticado antes da extradição e diverso daquele que motivou o pedido extradicional, desde que o Estado requerido (o Brasil, no caso) expressamente o autorize.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao dar aplicação ao princípio da especialidade - autorizando, em conseqüência, a utilização do instituto da extradição supletiva - assim se pronunciou sobre o tema em questão:

“- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a partir da interpretação da norma inscrita no art. 91, I, do Estatuto do Estrangeiro, tem reconhecido a possibilidade jurídica de qualquer Estado estrangeiro requerer a extensão da extradição a delitos que, anteriores ao pedido que a motivou, não foram incluídos na postulação extradicional originariamente deduzida. Precedentes.
- A pessoa extraditada pelo Governo brasileiro não poderá ser processada, presa ou punida pelo Estado estrangeiro a quem foi entregue, desde que o fato delituoso, não obstante cometido antes do pedido de extradição, revele-se diverso daquele que motivou o deferimento da postulação extradicional originária, salvo se o Brasil - apreciando pedido de extensão que lhe foi dirigido -, com este expressamente concordar. Inteligência do art. 91, I, do Estatuto do Estrangeiro, que consagra o princípio da especialidade ou do efeito limitativo da extradição.
- O princípio da especialidade - que não se reveste de caráter absoluto - somente atuará como obstáculo jurídico ao atendimento do pedido de extensão extradicional, quando este, formulado com evidente desrespeito ao postulado da boa-fé que deve informar o comportamento dos Estados soberanos em suas recíprocas relações no plano da Sociedade internacional, veicular pretensões estatais eventualmente destituídas de legitimidade.
O postulado da especialidade, precisamente em função das razões de ordem político-jurídica que justificam a sua formulação e previsão em textos normativos, assume inegável sentido tutelar, pois destina-se a proteger, na concreção do seu alcance, o súdito estrangeiro contra a instauração de persecuções penais eventualmente arbitrárias. Convenção Européia Sobre Extradição (Artigo 14) ...”. (RTJ 165/447-448, Rel. Min. CELSO DE MELLO)


Na realidade, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, interpretando o alcance da norma inscrita no art. 91, I, da Lei nº 6.815/80 - que acolhe, em nosso sistema de direito positivo, como garantia indisponível do súdito estrangeiro, o princípio da especialidade - tem admitido, desde que observado o “due process of law”, a utilização do instituto da extradição supletiva (RTJ 115/529, Rel. Min. OSCAR CORRÊA - RTJ 136/504, Rel. Min. FRANCISCO REZEK - RTJ 144/121, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – RTJ 168/48, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA), legitimando, desse modo, a possibilidade de extensão ou de ampliação do ato extradicional a fatos delituosos anteriores e diversos daqueles que justificaram a formulação do pedido original de extradição, como salientado no julgamento da Ext 462-QO/República Italiana:

“Extradição. Pedido de extensão. Questão de ordem.
O princípio da especialidade que é adotado no artigo 91, I, da Lei nº 6.815/80 não impede que o Estado requerente de extradição já concedida solicite sua extensão para abranger delito diverso, anteriormente cometido.
Questão de ordem que se resolve pela rejeição da preliminar de não-conhecimento do pedido de extensão, o qual deverá ser processado, sendo interrogado, no exterior, o extraditado, para, inclusive, se quiser, constituir advogado para defendê-lo no Brasil.”
(RTJ 131/1053, Rel. Min. MOREIRA ALVES - grifei)

Não constitui demasia assinalar que o pedido de extensão da ordem extradicional sujeita-se, ele também, a estrito controle jurisdicional de legalidade a ser efetuado pelo Supremo Tribunal Federal em benefício do súdito estrangeiro, em ordem a protegê-lo, mesmo achando-se sob o domínio territorial de uma soberania alheia, contra procedimentos penais abusivos ou eventuais punições de caráter arbitrário.

Na realidade, e tal como salienta o magistério doutrinário, a garantia jurídica que deriva do princípio da especialidade, ao impor rígido controle sobre a legalidade do pedido de extensão, tem por objetivo essencial evitar que essa prerrogativa “sia in pratica frustrata da postume incolpazioni, per le quali l’estradizione, se richiesta, non sarebbe forse stata concessa”, ao mesmo tempo em que busca “imprimere ai rapporti internazionali la maggiore precisione di contenuto affinchè i diritti e i doveri degli Stati abbiano (...) la base sicura che valga a cementare la loro armonia e li difenda dalle insidie di eventuali malintesi” (UGO ALOISI/NICOLA FINI, “Estradizione”, “in” “Novissimo Digesto Italiano”, vol. VI/1007-1028, 1025, UTET, Torino).
Revela-se plenamente legítima, portanto, a formulação de pedido de extensão em sede extradicional, pois - insista-se - essa tem sido a orientação que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria:

“EXTRADIÇÃO SUPLETIVA. POSSIBILIDADE JURÍDICA. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. CARÁTER RELATIVO DESSE POSTULADO. ADMISSIBILIDADE DO PEDIDO DE EXTENSÃO EM MATÉRIA EXTRADICIONAL. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.”
(Ext 444-Pedido de extensão/Itália, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU de 17/02/2000)

Registre-se, finalmente, Senhor Presidente, que o Supremo Tribunal Federal, defrontando-se, ele próprio, com situação que envolvia brasileiro extraditado por outro País, mas aqui processado criminalmente, entendeu necessário suspender a tramitação de ação penal originária ajuizada perante esta Suprema Corte, pelo fato de o processo penal aqui em curso não haver sido incluído, pelo Governo brasileiro, no pedido de extradição que dirigiu à República Argentina.
O Plenário desta Suprema Corte, ao resolver tal incidente processual, proferiu decisão que se acha consubstanciada, no ponto, em acórdão assim ementado:

“Inquérito. Ação penal originária. 2. Denúncia que envolve, como co-acusado por corrupção ativa, brasileiro recentemente extraditado da República Argentina, em razão de fatos diversos dos descritos na denúncia. 3. Tratado de Extradição entre Argentina e Brasil aprovado pelo Decreto Legislativo nº 85, de 29.9.1964, e promulgado pelo Decreto nº 62.979, de 11.7.1968, artigo XIV. Em virtude desse Tratado, o indivíduo extraditado não poderá ser processado nem julgado por qualquer outra infração cometida anteriormente ao pedido de extradição, salvo se nisso convier o Estado requerido, ou se o próprio indivíduo, expressa e livremente, quiser ser processado e julgado por outra infração, ‘ou se, posto em liberdade, permanecer voluntariamente no território do Estado requerente durante mais de trinta dias, contados da data em que tiver sido solto’. 4. Possibilidade de solicitar à República Argentina a extensão da extradição, relativamente aos fatos anteriores, ora objeto da denúncia em exame. 5. Extradição supletiva. Sua admissibilidade. 6. Enquanto não houver o atendimento, pela República Argentina, ao pedido de extensão da extradição, não será possível prosseguir no procedimento criminal contra o referido co-denunciado. (...). 9. Questão de Ordem apresentada pelo Relator que se resolve no sentido de ordenar a suspensão do procedimento criminal, relativamente ao co-denunciado, para que, nos termos do artigo XIV do Tratado de Extradição entre Argentina e Brasil, sejam adotadas as providencias necessárias em ordem a solicitar à República Argentina a extensão da extradição em apreço, quanto aos fatos constantes da denúncia. (...).”
(Inq 731-QO/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - grifei)


Sendo assim, Senhor Presidente, e em face das razões expostas, acompanho o voto do eminente Relator.
É o meu voto.

EXTENSÃO NA Ext. N. 1.052-REINO DOS PAÍSES BAIXOS
RELATOR: MIN. EROS GRAU

EMENTA: EXTRADIÇÃO. PEDIDO DE EXTENSÃO. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR PRATICADOS ANTERIORMENTE AO DEFERIMENTO DA EXTRADIÇAO. AUSÊNCIA DE ÓBICE AO DEFERIMENTO DA EXTENSÃO. REGULARIDADE FORMAL DO PEDIDO ADICIONAL.


1. O princípio da especialidade (artigo 91, I, da Lei n. 6.815/80) não consubstancia óbice ao deferimento do pedido de extensão. A regra extraída do texto normativo visa a garantir, em benefício do extraditando, o controle de legalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, no que tange a ação penal ou a execução de pena por fatos anteriores em relação aos quais foi deferido o pleito extradicional. Precedentes.


2. Pedido de extensão visando à submissão do extraditando a julgamento pelos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, praticados em data anterior a do julgamento da extradição e não compreendidos no pedido originário.


3. Pleito adicional formalizado com os documentos relacionados no artigo 80 da Lei n. 6.815/80.


Extensão deferida.


Fonte: STF
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